Indivíduo

Como o consumo excessivo de pornografia afeta o cérebro

O cérebro na pornografia

A pornografia digital é historicamente diferente das anteriores, não somente pela sua onipresença, mas também devido ao seu caráter potencialmente viciante e seu realismo cada vez maior.

De acordo com uma pesquisa realizada em 2004 com 336 estudantes universitários, com idade variando de 17 a 52 anos e envolvendo ambos os sexos, 55,8% dos participantes masculinos afirmaram utilizar o material pornográfico para “obter informações reais sobre sexualidade” e 50% utilizam para “ter mais fantasias sexuais”. Com relação ao público feminino, a maioria das mulheres (72,4%) afirmou que procura esses materiais para “obter informações reais sobre sexualidade” e, em seguida, “ter mais fantasias sexuais” (41,4%). 

Em comparação, uma pesquisa realizada em 2019, contando com 20 participantes (10 homens e 10 mulheres), com idades variando entre 23 e 30 anos, apontou que, entre os homens, o principal motivo para consumir conteúdos pornográficos foi para a própria satisfação pessoal. Já entre as mulheres, o principal motivo foi “benefícios ao relacionamento”: usam por incentivo do companheiro; pelo tipo ou qualidade da relação, que traz confiança para esse uso e permite liberdade para explorar a sexualidade; ou ainda como forma de agradar o parceiro, além de servir de estímulo à diversificação na vida sexual do casal.

O incrível poder de mudança do cérebro

Segundo o psiquiatra Norman Doidge, em seu livro “O cérebro que se transforma: Como a neurociência pode curar as pessoas“, a pornografia influencia jovens com pouca experiência sexual, e especialmente mentes plásticas em vias de formar suas preferências sexuais. No entanto, a influência da pornografia sobre a mente de adultos também pode ser profunda. Isto se deve a um fator chamado “remodelagem”, pois a pornografia pode reestruturar o cérebro de uma pessoa adulta. Esse é o motivo provável de muitos indivíduos viverem frustrados sexualmente, com o cérebro afetado por uma grande mudança neuroplástica.

Uma pesquisa realizada na região Nordeste da Itália , contando com 1565 estudantes que frequentavam o último ano do ensino médio, revelou que 10% da amostra teve o interesse sexual reduzido pelo consumo de pornografia e 9,1% reportaram algum tipo de vício. A figura a seguir mostra a avaliação da resposta sexual de acordo com o acesso a sites pornográficos em todo o grupo de consumidores de pornografia e em relação ao seu consumo semanal.

As principais alterações apontadas no gráfico foram: problema de ereção, orgasmo prematuro, orgasmo retardado e diminuição do desejo sexual. O total de anomalias mostrou-se correspondente a 14% dos consumidores moderados de pornografia (menos de uma vez por semana), subindo para 25,1% entre os consumidores regulares (mais de uma vez por semana).

O problema está na mente, não no corpo

Segundo Doidge, o problema mais temido pelos jovens que acessam pornografia nos dias atuais é a chamada “disfunção erétil”. Segundo as estatísticas do Centro de Bem-Estar Sexual do Pornhub, esse é o tópico mais procurado pelos usuários masculinos, liderando o ranking com 69% das buscas. Porém, para o psiquiatra, essa é uma “expressão enganosa” e que induz a pensar que o problema está no órgão sexual e não no cérebro. 

Ainda de acordo com o psiquiatra, o cérebro é um órgão altamente plástico e flexível. À medida que cada atividade é realizada, o cérebro altera sua própria estrutura, aperfeiçoando seus circuitos para torná-lo mais adequado à tarefa apresentada. Se alguns “componentes” falharem, outros podem assumir o controle.

Os cientistas começaram a se referir à essa propriedade fundamental do cérebro como “neuroplasticidade”. “Neuro” vem de “neurônios”, as células nervosas do cérebro e do sistema nervoso; “plasticidade” vem de “mutável, maleável, modificável”. A mudança neuroplástica provoca diversos efeitos na compreensão da vida cotidiana. O amor, o sexo, as frustrações, os relacionamentos, os vícios, a cultura, as tecnologias, entre outros fatores, são capazes de alterar o funcionamento do cérebro humano.

De acordo com Doidge, os seres humanos exibem um grau extraordinário de plasticidade sexual, se comparados com outras criaturas. Variamos quanto ao que gostamos de fazer com nossos parceiros no ato sexual. Variamos sobre onde experimentamos a excitação e a satisfação sexual em nosso corpo. Mas variamos sobretudo quanto à pessoa ou coisa que nos atrai.

Dopamina: o hormônio com nome cativante

O cérebro humano é programado através da dopamina para incentivar comportamentos de sobrevivência através do caminho recompensa-motivação. A ativação desse sistema de dopamina medeia o efeito recompensador não apenas de drogas, mas também de estímulos não medicamentosos ou comportamentais.

Segundo White, pode-se pensar na dopamina como o principal neurotransmissor que impulsiona o comportamento normal e o viciante. A propriedade que atrai, motiva e aumenta ainda mais o desejo por um determinado estímulo, é conhecida como “recompensa”. A antecipação da recompensa estimula a produção da dopamina e sua ação no cérebro é o que determina o nível de desejo por um determinado estímulo. Assim, a dopamina pode ser considerada como a substância condutora para o desejo. A recompensa, conforme descrito, é a perspectiva que se tem do prazer e não do prazer em si. 

É devido ao uso excessivo desse sistema de recompensa que uma pessoa pode sofrer com o vício. A estimulação excessiva do sistema resulta em aumentos repetidos dos níveis de dopamina, que servem para reforçar o desejo. Quando os caminhos são usados compulsivamente, ocorre um rebaixamento que, na verdade, diminui a quantidade de dopamina nas áreas de prazer disponíveis para uso, e as próprias células de dopamina começam a atrofiar ou encolher. Assim, a redução nos receptores de dopamina causa uma escalada à medida que o sujeito tenta potencializar e recriar a alta.

O circuito de recompensa é responsável pelo processamento cognitivo de uma experiência, o reforço positivo e o subsequente gatilho para perpetuar o comportamento. Essa mudança no circuito neural é chamada de neuroadaptação. É facilitado pela exposição repetitiva, de alta emoção e de alta frequência. Estas são condições que podem ser facilmente preenchidas pelo uso da Internet de hoje, incluindo a pornografia online.

A exposição à pornografia leva ao “vício de excitação”. A cada clique do mouse ou deslize de página, o desejo e a excitação aumentam, levando à uma onda de dopamina em antecipação à gratificação. Quanto mais o espectador procura e se masturba com pornografia, mais dopamina é produzida até que, eventualmente, os receptores e sinais no cérebro se “destruam”. O espectador fica ainda querendo, mas incapaz de alcançar o nível de satisfação desejado, e assim se torna insensível às imagens assistidas. 

Essa mudança neurológica é capaz de afetar drasticamente diversos aspectos da vida do consumidor. Estudos existentes demonstram que a frequência de consumo da pornografia se correlaciona com sintomas de depressão, ansiedade, estresse e pode acarretar em mau funcionamento social, bem como menor satisfação sexual e com os relacionamentos, gostos sexuais alterados e problemas de intimidade na vida real.

Para tentar atingir os mesmos níveis de prazer que sentiam quando começaram a assistir pornografia, os espectadores passam a buscar imagens sexuais que causam ansiedade, choque e nojo, fazendo com que ocorra a liberação de dopamina e adrenalina, tal qual ocorre na relação sexual. A combinação química é confundida com prazer, pois o reflexo de repúdio é desligado.

Os espectadores podem se excitar com conteúdo que lhes parece abominável e vergonhoso quando “sóbrios”. Até mesmo aqueles que não fazem uso desse tipo de conteúdo podem sofrer os efeitos colaterais da saturação, já que imagens, situações e letras provocadoras, antes consideradas como soft-porn, hoje permeiam todos os espaços da cultura moderna. 

O choque entre pornografia e cultura

Antigamente, a pornografia “hardcore” em geral significava a representação explícita de atos sexuais entre dois parceiros excitados, exibindo seus genitais. E a “softcore” mostrava imagens de mulheres numa cama, no banheiro ou em algum ambiente semirromântico, em vários estados de nudez, com os seios à mostra. Agora a pornografia hardcore evoluiu e é cada vez mais dominada por cenas de sexo forçado, ejaculações na cara das mulheres e sexo anal furioso, todos envolvendo roteiros que misturam sexo com ódio e humilhação.

As imagens comparativamente dóceis e leves do passado — mulheres em vários estágios de nudez — agora aparecem na mídia dominante o dia todo, na “pornificação” de tudo, incluindo a televisão, os videoclipes de rock, as novelas, a propaganda e assim por diante.

A disponibilidade desse conteúdo, especialmente por meio da internet, permite que, além de adultos, crianças e adolescentes o consumam com maior facilidade e em grande diversidade. A socióloga Diana Russel afirma que o uso de materiais pornográficos está afetando as pessoas em uma idade cada vez mais tenra e, infelizmente, para muitas dessas crianças, a pornografia será a única educação sexual que receberão.

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