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Como a pornografia se enraizou na cultura popular

a pornografia na cultura popular

Hoje a pornografia está sendo celebrada em todos os lugares, desde propagandas de cerveja até programas de televisão bem-sucedidos, tal como a série Game of Thrones, que foi criticada por suas cenas de sexo exageradas e que não traziam contexto relevante para a narrativa.

Segundo a socióloga Gail Dines o que vemos hoje é o resultado de anos de estratégias cuidadosas e marketing feitos pela indústria pornô para higienizar seus produtos tirando o fator “sujeira” e reconstituindo a pornografia como divertida, ousada, chique, sexy e quente. Quanto mais higienizada a indústria se tornava, mais ela se infiltrava na cultura pop e na consciência coletiva da sociedade.

Ainda segundo a autora, existem diversos setores que se beneficiam com a popularização da pornografia, desde o ramo do entretenimento – com as produções cinematográficas e de videogames –, até hotéis, bancos e operadoras de TV a cabo. Essa alta rentabilidade é uma forte influenciadora da forma como a pornografia é produzida.

Além do crescimento da pornografia e do seu mercado, há um outro evento, onde seus elementos migram cada vez mais para outros aspectos da cultura, chamado de “pornificação do mainstream” – conceito criado para se referir ao processo de assimilação de elementos pornográficos pela cultura de massa que possui um grande alcance e chega à maior parte da população.

Fica evidente a exposição de corpos, a veiculação de imagens que fazem referência à sexualidade e a colocação do sexo como discurso por parte da mídia. Logo, a mídia pode tanto construir quanto reforçar significados, como os de gênero, identidade sexual, entre outros.

Crescendo em uma cultura pornificada

Os adolescentes são bombardeados com imagens e artigos que os fazem hipersexualizar-se, preparando-os para uma sessão de pornografia, de acordo com a Dra. Gail Dines.

“Essa cultura está socializando nossas jovens para estarem prontas para a pornografia, quer elas acabem em um site pornô ou não”, disse Dines, professora de sociologia e estudos femininos no Wheelock College, em Boston.

Dines entrou em mais detalhes durante uma TED Talk. Confira-a no vídeo abaixo:

Crescendo em uma cultura pornificada | Gail Dines

Visível ou Invisível: crescer fêmea em uma cultura pornificada

(excerto do livro “Pornland: How Porn Has Hijacked Our Sexuality“)

Em uma palestra que eu estava dando em uma grande universidade da Costa Oeste, as alunas falaram extensivamente sobre o quanto elas preferiam ter uma área pubiana completamente depilada, pois isso as fazia se sentir “limpas”, “sexy” e “bem arrumadas”. Como insistiram animadamente que elas mesmas optaram pela depilação brasileira, uma aluna deixou escapar que o namorado havia reclamado quando ela decidiu desistir da depilação. Então fez-se silêncio. Pedi à aluna que falasse mais sobre as preferências do namorado e como ela se sentia em relação às críticas dele. Quando ela começou a falar, outros alunos se juntaram, só que agora a conversa tomou um rumo muito diferente.

A excitação na sala deu lugar a uma discussão moderada sobre como alguns namorados se recusaram a fazer sexo com suas namoradas não depiladas, pois elas “pareciam nojentas”. Uma aluna contou ao grupo como seu namorado comprou para ela um kit de depilação para o dia dos namorados, enquanto outro enviou um e-mail para seus amigos brincando sobre o “castor peludo” de sua namorada. Não, ela não terminou com ele, ela foi se depilar.

Duas semanas após a discussão da depilação, eu estava em uma escola da Ivy League da Costa Leste, onde algumas alunas ficaram cada vez mais irritadas. Eles me acusaram de negar a eles o livre arbítrio em sua adoção de nossa cultura pornô hipersexualizada. Como mulheres de elite da próxima geração, essa ideia era especialmente repugnante porque elas não viam limites ou restrições para elas como mulheres. Literalmente dois minutos depois, uma das alunas fez uma piada sobre o “truque” que muitas delas empregam como forma de evitar o sexo casual.

O que é esse truque? Essas mulheres propositalmente não se depilam enquanto se preparam para sair naquela noite, então se sentirão muito envergonhadas para fazer sexo. Enquanto ela falava, observei que outros acenavam com a cabeça em concordância. Quando perguntei por que eles não podiam simplesmente dizer não ao sexo, eles me informaram que uma vez que você toma alguns drinques e está em uma festa ou bar, é muito difícil dizer não.

No dia seguinte, voei para Utah para dar uma palestra em uma pequena faculdade, que embora não fosse uma faculdade religiosa, tinha uma boa porcentagem de mórmons e católicos. Contei a eles sobre a palestra da noite anterior e perguntei se eles sabiam qual era o truque. Acontece que esse truque está em toda parte, incluindo Utah.

Conto essa história porque, em muitos níveis, ela captura perfeitamente como a cultura pornô está afetando a vida das mulheres jovens. A realidade é que as mulheres não precisam ver pornografia para serem profundamente afetadas, pois imagens, representações e mensagens de pornografia agora são entregues às mulheres através da cultura pop.

As mulheres de hoje ainda não são grandes consumidoras de pornografia pesada; contudo elas estão, cientes disso ou não, internalizando a ideologia pornô, uma ideologia que muitas vezes se disfarça de conselho sobre como ser gostosa, rebelde e legal para atrair e manter um homem. Um excelente exemplo é a depilação genital, que primeiro se tornou popular no pornô (até porque faz as mulheres parecerem infantis) e depois foi filtrada para a mídia feminina, como a Cosmopolitan, uma revista que regularmente apresenta histórias e dicas sobre métodos que as mulheres devem adotar para atrair um homem. Sex and the City, aquele programa de enorme sucesso com seguidores quase cult, também usou a depilação como enredo.

As pessoas que não estão imersas na cultura pop tendem a supor que o que vemos hoje é apenas mais do mesmo material que as gerações anteriores cresceram. Afinal, cada geração teve suas estrelas sexy e sensuais que levaram vidas caras e selvagens em comparação com o resto de nós. Mas o que é diferente hoje não é apenas a hipersexualização da imagem, mas também o grau em que tais imagens sobrecarregaram e excluíram quaisquer imagens alternativas de ser mulher.

A onda de hoje de imagens pornô soft-core normalizou a aparência de estrelas pornô na cultura cotidiana a tal ponto que qualquer coisa menos parece deselegante, empertigada e totalmente chata. Hoje, uma garota ou jovem procurando uma alternativa ao visual de Britney, Paris e Lindsay logo chegará à triste percepção de que a única alternativa para parecer “fodível” é ser invisível.

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