Indivíduo

Born in to porn: as crianças nascidas na era da pornografia digital

born in to porn

A difusão da internet fez com que o contato das crianças e adolescentes com a pornografia ocorresse de forma muito mais inesperada, repentina e indesejada. Segundo um estudo financiado pelo Congresso dos Estados Unidos, o material sexualmente explícito na internet é “muito intrusivo” e é possível se deparar com ele inadvertidamente enquanto se procura outro material ou quando se abre um e-mail. 

No geral, as crianças não possuem as habilidades cognitivas necessárias para navegar na internet de forma independente. O conhecimento das estratégias de busca é limitado, se não inexistente, e as habilidades de digitação são pouco desenvolvidas. Aproveitando-se da situação, muitos sites tentam intencionalmente enganar os usuários usando palavras-chave não relacionadas a sexo (por exemplo, “mangá”  ou “quadrinhos”) ou utilizam erros comuns de endereçamento, tal como o infame “whitehouse.com” ou o “metflix.site”.

Contudo, as crianças também podem procurar por esse tipo de material deliberadamente devido à curiosidade apropriada à cada faixa etária, portanto, o problema não se deve apenas a voluntariedade da exposição, mas também ao conteúdo exposto. Além de imagens de pessoas nuas praticando o ato sexual, a pornografia digital também inclui outras práticas sexuais muito mais explícitas, tais como zoofilia, pedofilia, estupro, sadismo, abusos, etc.

De acordo com uma pesquisa realizada em 2009, existem ao menos três tipos de fatores que afetam o impacto da exposição da pornografia:

  1. As características do espectador, uma vez que os efeitos do consumo de conteúdo sexual por crianças pode ser influenciado por variáveis como idade, gênero, experiência sexual, maturação física e envolvimento dos pais. Outras variáveis ​​que moderam o impacto da pornografia incluem a formação cultural do indivíduo (ênfase na igualdade ou desigualdade de gênero), seu histórico familiar (sexualmente permissivo ou restrito), suas características de personalidade e seu estado emocional atual;
  2. Seu próprio envolvimento com o conteúdo. O efeito de ver pornografia também pode ser influenciado pelas respostas sexuais, emocionais e cognitivas dos espectadores ao material;
  3. O caráter e as circunstâncias da exposição – o tipo de material envolvido, a duração e a intensidade da visualização e o contexto (voluntário ou involuntário; solitário ou coletivo). 

Como a pornografia afeta a infância

Idealmente, os adolescentes que começam a se interessar por informações a respeito de sexo, seus corpos e sua sexualidade, iriam se consultar primeiramente com seus pais ou familiares para obter respostas. Pais e filhos poderiam conversar sobre todos esses assuntos sem se sentirem envergonhados e receosos. Entretanto, na prática, os pais costumam relutar em falar sobre sexo com seus filhos e, quando o fazem, falam mais sobre as mudanças fisiológicas do que as mudanças psicológicas que acompanham essa fase ou como lidar com sua sexualidade de forma saudável. Os jovens querem saber se estão se desenvolvendo normalmente, se suas dúvidas são comuns para outras pessoas e como se relacionar amorosamente. 

A educação sexual fornecida pelas escolas também não é o suficiente para sanar tais dúvidas. Na realidade, a educação sexual nas escolas é muito controversa e tende a ser superficial para que cause o mínimo de discussões políticas e atrito entre a escola, o governo vigente e a família.

Com isso exposto, se os pais e as escolas estão falhando em providenciar as respostas que os jovens procuram, muitos passam a procurar por elas em outros lugares: amigos – que costumam ter mais desinformações a respeito do assunto, já que podem estar passando pelos mesmos problemas e ter as mesmas dúvidas – e no meio online, com esta sendo uma solução atraente devido ao anonimato. 

De acordo com o livro “Youth, Pornography, and the Internet”, o anonimato da internet oferece uma maneira de obter informações sobre assuntos delicados sobre sexualidade e saúde sexual e ainda permite que o adolescente evite encontros presenciais embaraçosos. Contudo, uma desvantagem da mídia – especialmente da internet – é devido à imprecisão das informações lá encontradas, que muitas vezes nem chegam a ser verificadas. 

O fato de que os jovens muitas vezes recorrem à mídia para ajudar a lidar com algumas das questões associadas às mudanças de seus corpos têm dimensões positivas e negativas. Por um lado, muitos jovens podem ter certeza de que sua curiosidade sobre a sexualidade e as mudanças em seus corpos são normais e não precisam se envergonhar de suas mudanças físicas.

Contudo, utilizar a mídia como fonte primária de informação sobre sexualidade apresenta diversos riscos, tal como criar expectativas irreais para si mesmo. Por exemplo, corpos retratados na mídia como sexualmente atraentes são muitas vezes inatingíveis (por exemplo, físicos muito magros para meninas e músculos bem definidos e consideráveis para meninos), e um jovem que percebe seu corpo como não se encaixando nessas normas pode incomodar em vez de tranquilizar.

Ao buscar por informações sobre sexo e sexualidade na internet, os jovens acabam se deparando com sites pornográficos e, apesar de ser ilegal a propaganda de material sexualmente explícito para menores de idade, aproximadamente 75% dos websites pornográficos exibem trailers nas páginas iniciais, antes mesmo de perguntar se o espectador é maior de idade.

Crianças e adolescentes podem ficar chocados ou perturbados devido a esses encontros involuntários e inadvertidos com o material sexualmente explícito, seja devido à sua faixa etária ou nível de desenvolvimento, já que podem desconhecer, serem inexperientes ou não estarem interessados em atividades sexuais.

“As crianças hoje em dia deparam com pornografia na internet, não com erotismo”, como disse uma psicóloga de Massachussetts. “Elas têm um modelo muito ruim. A pornografia não mostra como um casal real soluciona um conflito ou cria intimidade”. Ela também se preocupa com o fato de que a pornografia da internet, por ser em grande parte “parecida com estupro”, é “uma maneira brutal de ser apresentado à sexualidade”.

Como a pornografia molda comportamentos

A pesquisa STIR (Safeguarding Teenage Intimate Relationships), desenvolvida por pesquisadores da Universidade de Bristol e Central Lacanshire, com jovens da Inglaterra, Noruega, Chipre, Bulgária e Itália, organizou a incidência de cada tipo de violência interpessoal – online, emocional, física e sexual – de acordo com cada país e gênero, conforme a tabela a seguir:

Safeguarding Teenage Intimate Relationships

A partir da análise da pesquisa é possível perceber que as meninas costumam sofrer violência online e emocional com mais frequência do que os meninos, enquanto a incidência nos dois outros tipos ocorre em percentuais parecidos ou até mesmo menores em comparação ao sexo masculino. A violência sexual foi percebida em números maiores: os índices de meninas que declararam ter sofrido esse tipo de abuso varia entre 17% e 41%, enquanto os meninos reportam entre 9% e 25%.

O relatório constatou que a instigação da violência interpessoal e o abuso, dentre alguns outros fatores, foi mais significativamente associada com o consumo de pornografia e atitudes negativas de gênero.

A pornografia violenta/tradicional trabalha a favor da normalização de comportamentos agressivos dirigidos às mulheres, por meio do condicionamento negativo/ antissocial do prazer dos homens e dos seus comportamentos. Isto porque este tipo de material está disponível em quantidades infindáveis – na internet principalmente – para o acesso de qualquer um. E, quando utilizado, mesmo não intencionalmente, o usuário acaba sendo dessensibilizado ao que realmente é a violência infligida às mulheres – pois, relembrando Dworkin, ela é sexualizada na pornografia tendo em mira a subordinação da mulher, que resulta na perpetuação da discriminação de gênero. Assim sendo, a linguagem usada nestes materiais – performaticamente – cria uma realidade prejudicial, estabelecendo uma conexão entre a excitação e o estupro, humilhação, tortura, etc. causados às mulheres. 

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