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O coelhinho ganha as bancas: a história da Playboy

a história da playboy

A década de 1950 foi uma época de enormes mudanças nos Estados Unidos, tanto econômica quanto culturalmente. Na época, a política era conservadora, o mundo tinha acabado de sair da Segunda Guerra Mundial e o governo ainda controlava diversos aspectos da vida cotidiana que reprimiam a liberdade pessoal. No aspecto econômico, as pessoas possuíam mais dinheiro e estavam dispostas a gastá-lo.

Foi durante o período da Guerra Fria, em novembro de 1953, que o primeiro número da revista Playboy apareceu nas bancas estadunidenses. A revista precisou enfrentar diversas leis antiobscenity, que restringiam a distribuição de textos e imagens de conteúdo sexual na imprensa ou pelo correio. Porém Hefner, o criador da revista, encarou a batalha de frente: ele processou o Correio e conquistou o direito de utilizar privilégios de envio de segunda classe, além de US$ 100 mil de compensação.

Primeira capa da Playboy
A primeira capa da Playboy: Marilyn Monroe, em 1953

Desafiando qualquer expectativa, a primeira edição vendeu mais de 50 mil exemplares, o suficiente para cobrir os custos e ainda financiar um segundo número. Hefner criou um conceito para a revista que proporcionava os tipos de informações e imagens que ele se interessava e acreditava que outros se interessariam também. Na essência da revista estaria o tópico do sexo – o gancho seriam as fotos de belas mulheres seminuas –, mas o resultado final seria uma revista de bom gosto que proporcionaria um conteúdo útil e interessante para os homens que desejavam um estilo de vida sofisticado.

Em seu livro “Pornotopia: Playboy e a invenção da sexualidade multimídia“, Preciado diz que o pornográfico na Playboy não era a utilização de fotografias consideradas obscenas pelas instâncias de censura e decoro, mas o modo como fazia irromper na esfera pública aquilo que, até então, era considerado privado. 

Diferentemente da Esquire e da New Yorker, a Playboy apelava diretamente ao desejo sexual dos leitores (idealmente pensados como masculinos, brancos e heterossexuais) e deixava à mostra a dimensão carnal de suas práticas de consumo, reclamando a implicação de seus corpos e de seus afetos.

A introdução apresentada na primeira edição da revista afirmava:

Se você é um homem entre 18 e 80 anos, a Playboy é para você. Se você gosta de diversão apimentada com humor e sofisticação, a Playboy vai se tornar sua revista favorita. Queremos deixar claro desde o início que não somos uma “revista familiar”. Se você for irmã, esposa ou sogra de alguém e pegou esta revista por engano, por favor, passe-a para um homem e volte à sua Ladies Home Companion.”

Playboy construía não apenas um novo consumidor masculino urbano, como também desenhava um novo tipo de afeto, de desejo e prática sexual, diferentemente daquele que dominava a ética do trabalhador decente, bom marido branco e heterossexual, promovido pelo discurso governamental estadunidense após a Segunda Guerra Mundial. Diante do “império do lar familiar heterossexual” dos anos 1950, a revista lutou pela criação de uma utopia paralela: o império do solteiro na cidade.

A vizinha da casa ao lado

No início, Hefner usava modelos e artigos de domínio público para preencher as páginas da Playboy, mas, em pouco tempo, começou a procurar mulheres que não tinham experiência como modelo, que poderiam ser a “vizinha da casa ao lado”. A utilização de mulheres comuns, porém belas, intensificou o fascínio do estilo de vida playboy.

No começo da década de 1960, a circulação da Playboy contava com mais de um milhão de exemplares por mês, com faturamento de mais de US$ 5 milhões anuais. Em 1961, a empresa cresceu para se tornar um império de US$ 20 milhões e, em 1969, as vendas anuais atingiram US$ 96 milhões com circulação excedendo 5,5 milhões de exemplares mensais.

Em 1969, começaram a surgir anúncios de uma nova revista masculina, a Penthouse. Com uma mensagem de marca que rotulava a Playboy como uma revista que se arrastava no obsoletismo, a Penthousese posicionava como a revista masculina da nova geração. O conteúdo era muito mais sexualmente explícito do que os consumidores encontravam nas páginas da Playboy, o que diferenciava a nova revista da marca pioneira e atraiu imediatamente a atenção do público. 

Capa Penthouse 1971
Capa da Penthouse em março de 1971

Mais conteúdo, mais explícito, mais Playboy

Contudo, a década de 1970 trouxe consigo uma nova era de mudanças para todo o mundo. A economia se digladiava com a inflação; os índices de desemprego estavam batendo recordes; o governo tropeçava com a resignação do ex-presidente Richard Nixon; conflitos ao redor do mundo, particularmente o crescente abismo entre os Estados Unidos e a União Soviética, afetavam praticamente a todos; e a vida se concentrava mais na sobrevivência do dia a dia do que viver a boa vida e se divertir. 

Com o intuito de recuperar a participação de mercado e contra-atacar o sucesso da revista Penthouse, em 1972, Hefner compra a revista Oui de uma editora francesa. A Oui contava com um conteúdo mais sexualmente explícito do que o que era publicado na Playboy. Hefner acreditava que, ao adquirir uma revista que competisse diretamente com a Penthouse, seria possível vencer o proprietário da concorrente, Robert Guccione, usando as mesmas estratégias de seu rival.

Capa Oui 1972
Capa da revista Oui em outubro de 1972

Em 1974, uma outra revista masculina chegou às bancas, a Hustler. Apesar de seu conteúdo ser muito mais pornográfico do que a Playboy ou a Penthouse, a revista conseguiu roubar participação de mercado dos líderes da categoria e, em seu auge, a circulação chegou a três milhões de exemplares por mês. 

A revista, que defendia uma liberdade sexual de bom gosto, se tornou mais erótica, com imagens mais explicitamente pornográficas. A batalha das fotos explícitas entre a Penthouse e a Playboy foi apelidada de “guerras púbicas” na década de 1970, enquanto as marcas concorriam desafiando cada vez mais os limites da decência.

A decisão ousada de mudar completamente a visão da revista para concorrer diretamente com os concorrentes causou confusão aos consumidores da marca, que a associavam a um estilo de vida positivo, sofisticado e consumista. A confusão dos clientes não foi o único resultado negativo da decisão da Playboy de se tornar sexualmente explícita. Os anunciantes ficaram igualmente confusos e abandonaram a revista rapidamente e em massa.

Capa Playboy 1974
Capa da revista Playboy em julho de 1974

De volta às raízes

Em 1975, Hefner ordenou que a revista retornasse à visão original da marca, para que o sexo e a nudez fossem aceitáveis na sociedade americana sem a culpa e a repressão vivenciadas em sua juventude. A Playboy retomou sua missão essencial de ser uma revista masculina de estilo de vida que também incluía conteúdo e imagens de natureza sexual. Os artigos voltaram a se concentrar no romantismo e no estilo de vida livre que a marca tinha defendido duas décadas antes.

Contudo, ao longo da década de 1970, a revista não enfrentou somente a concorrência do mercado editorial, como também de toda uma variedade de fontes, à medida que o sexo se tornava menos tabu e mais popularizadoSex shops, clubes de strip-tease, livros relacionados a sexo, surgimento dos filmes pornográficos, etc., se tornaram comuns e os consumidores passaram a ter acesso a conteúdos explícitos de diversas formas.

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